2015.03.25 | Metafísica
O livre-arbítrio é compatível com a presciência divina?
No post anterior (ver aqui) vimos o argumento de Peter van Inwagen contra o compatibilismo entre o determinismo e o livre-arbítrio. Penso que também se pode construir um argumento similar para mostrar que a presciência divina é incompatível com o livre-arbítrio humano. Considere-se o seguinte:
Abreviaturas:
- ‘T’ = ‘um momento de tempo no passado’
- ‘GK’ = ‘Operador que expressa «Deus infalivelmente acredita que…»’
- ‘pt’ = ‘uma proposição p que articula um evento num tempo t posterior ao tempo T’
- ‘□’ = ‘Operador que expressa «É logicamente necessário que»’.
- ‘N’ = ‘Operador que expressa «Não depende de nós que»’. [As regras deste operador N encontram-se no post anterior.]
Teses:
- (i) No passado T, Deus acredita infalivelmente que p será o caso em t = GKTpt
- (ii) Temos livre arbítrio para fazer p em t = ¬Npt
- Incompatibilismo entre (i) e (ii) = GKTpt→Npt
- Compatibilismo entre (i) e (ii) = GKTpt∧¬Npt
Argumento a favor do incompatibilismo:
- (1) GKTpt [premissa-suposição: Deus infalivelmente acredita pt no passado]
- (2) N(GKTpt) [premissa: não depende de nós o que Deus infalivelmente acredita no passado]
- (3) □(GKTpt→pt) [premissa: definição de infalibilidade]
- (4) N(GKTpt→pt) [de 3, regra (α) do operador N]
- (5) Npt [de 2 e 4, regra (β) do operado N]
- (6) GKTpt→Npt [de 1-5, regra de introdução da condicional]
Será este um argumento procedente? Quem aceita a compatibilidade entre o livre-arbítrio e a presciência divina não pode aceitar a conclusão (6). Deste modo, para continuar a defender a tese da compatibilidade, quem advoga o compatibilismo entre a presciência divina e o livre-arbítrio terá de rejeitar alguma das seguintes proposições:
- N(GKTpt)
- □(GKTpt→pt)
- A regra (α) é válida
- A regra (β) é válida
Mas será alguma dessas vias uma opção realmente viável?